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Orlando Ribeiro, renovador da Geografia em Portugal Um longo hiato, durante o qual a Geografia foi muito pouco praticada em Portugal, seguiu-se ao florescimento brusco mas breve que tinha conhecido no século XVI, pela obra de alguns brilhantes geógrafos exploradores. Nem os Jesuítas, nos seus colégios, nem os reformadores dos séculos XVIII e XIX deram verdadeira importância a esta ciência, considerada auxiliar da História. Apenas trabalharam alguns corógrafos compiladores, mas a Geografia não tinha lugar na Universidade. Alguns precursores apareceram nos fins do século XIX: o engenheiro florestal Barros Gomes, o oficial do Exército Gerardo Pery, o médico Silva Telles. Mas será apenas em 1922, quando Amorim Girão se doutorou em Geografia em Coimbra e desenvolveu aí a sua obra original, que a Geografia ganhou realmente uma dimensão universitária, mas sem sair de um quadro regional e nacional.
Deve-se a Orlando Ribeiro a criação, em 1943, de um novo foco, em Lisboa, que atingiu logo dimensão e fama internacional. Os largos horizontes de cultura em que desenvolveu o seu espírito humanista e a preparação naturalista que sempre procurou “junto de homens exigentes, rigorosos, muitos deles de formação científica inicial” foram o esteio a que Orlando Ribeiro juntou o apoio da observação, empreendendo renovar o ensino da Geografia. Defendeu Orlando Ribeiro uma sólida base física para os estudos de Geografia, e um ensino integrado que não separasse os aspectos parciais – físicos, culturais e sociais – da entidade geográfica objecto de estudo.
Já em final de carreira, nas suas memórias redigidas entre os anos 60 e 80, Orlando Ribeiro continua a manifestar preocupações de falta de integração e síntese face à evolução dos estudos geográficos. “Embora às vezes ainda alguns geógrafos se dediquem a ambos os ramos, a separação entre Geografia física, apoiada em métodos rigorosos de análise e experimentação, e Geografia humana, é completa e os estudos de Geomorfologia não são introduzidos no contexto de uma Geografia regional integradora. Há por esta um visível desinteresse, como se as regiões não continuassem a ser as entidades fundamentais de qualquer estudo base e uma das faces de toda a Geografia”.
Segundo Orlando Ribeiro, a diversidade de orientações revela uma tendência para a “separação por temas quando o mais razoável seria a das regiões” que nem mesmo a evolução das técnicas de observação, como a fotografia aérea, justifica. Pelo contrário, “o homem consegue hoje estudar de fora a sua morada, vendo o que só os artifícios da cartografia, com as suas deformações e representações convencionais, rigorosamente geométricas, representavam, e que foi o único fundamento da Geografia universal durante quase cinco séculos. Mas Suzanne Daveau conhece e explora a História, a Arqueologia, a Etnografia, nos seus estudos de povoamento e de caracterização regional; ao passo que técnicas modernas e precisas a levam a acompanhar a análise polínica de formações quaternárias e a recolher material para datagem pelo Carbono 14.”
“Só me sinto longe de certas orientações da moda, que seduzem por isso alguns jovens geógrafos, de uma Geografia humana que estuda relações isoladas em espaços teóricos e abstractos, quando não há implantação ou actividade humana (mesmo a espiritual) de todo desligada de um quadro físico que a sustenta e em larga parte condiciona. [...]. A minha Geografia humana – ou antes, a face humana da Geografia – é feita com todos os sentidos: a visão que abrange os conjuntos e discerne e analisa pormenores significativos, o ouvido que surpreende o tilintar distante do rebanho ou o barulho agressivo da circulação mecânica, o cantar dos galos que anuncia o lugar próximo ou o silêncio de aldeias hindus, onde não se criam animais para o pecado de matá-los, o odor inconfundível dos bazares muçulmanos, composto principalmente do aroma das especiarias, que também se sente nos mercados do Brasil ou do México, o cheiro a mijo do deserto por onde passou ou acampou a caravana, o fartum estival da multidão comprimida no metropolitano, o incomparável acetinado das peles pretas sobre que tantas vezes estala o chicote [...], os sabores da cozinha popular, onde, como na Bahía, se combinam ingredientes originários das três partes do mundo – ponto de partida para o estudo de encontro e sedimentação de civilizações. Homo sum: humani nihil a me alienum puto! Mas como tudo isto está longe da Teoria económica em que se inspira uma das correntes da Geografia humana, onde os homens se diluem em relações quantitativas ou geométricas abstractas – sem negar a precisão e a pertinência de algumas das suas análises. Mas, fiel às ideias mestras da minha vocação, procuro manter-me também fiel à minha juventude liberal e tolerante”. (Citações extraídas de Memórias
de um Geógrafo, 2003). Topo |
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